dezembro 10, 2007

Igualdade e desejo

Quero um ponto como
a uma galáxia.
Quero um dia como
a uma vida.
Quero ser como
amanhecer.
Quero acordar como
o movimento.

Quero rir como acidente.
Quero ir como o vento.
Quero dar como o mar.

Quero a medida
a ferida
a lambida
como só você.

volta aos defeitos

Voltam sempre os defeitos.
Incuráveis, os mesmos.
O que os torna defeitos perfeitos.

Como a tudo o que repete,
quero reputar ao falhar um ideal
de indispensável acessório pessoal.

Eternamente atuais:
Não ter grana e saber gastar.
Colher mais esperanças do que posso contar.
Ser inofensivo quando quero guerrear.
Ser invisível e testemunhar.
Ser cruel sem justificar.
Ser tagarela quando o mundo cabe silenciar.

três medidas sagradas

O alegre da vida
se tempera a cada flor pisada.

Ao Gosto Real:
Vivam parasitas, rastejantes, todos vermes glorificados!
Canto à pressa digna com que exumam as almas e consumam os encarnados.

Ao Bom Gosto:
Vede, carcaças cheias de vida, graciosos e lépidos arqueiros do ponto G?
Alço a voz a louvar-lhes as possibilidades
antes do erro atroz.

Ao Gosto Vindouro:
Ecoem os tristes ais da natureza, triste senhora
que só de prosa é mais de um dedo
em piruetas que espantam todo segredo.

Só rir

No silêncio, acontece.
O labor arde pensamento amolece.
Rei sol estremece da grandeza e do calor que o esquecem.

Nasce o prometido é a vez da promessa,
o símbolo tornado tempestade
age sua vontade e atropela o sentido das preces.

Evém a pequenina passear na condução,
ao trabalho, alegre, a gastar seu batom.
Couro tratado, gesto leve, ágil função.

Couro com couro no gesto labial estalado,
Rei sol arde na face morena, não em si.
Ri-se ela só, de sentir o calor na carne gigante, prenhe e donzela.
Que é feito da última gota?
Quando virá?
A mais esperada de todas.
Haverá tempo de chegar?

A ela toda educação reputa.
Cabe ao que dura,
antes de azedar.
Puras, destiladas,
última gota evaporada!
última gota pingada!
última gota vertida!
gota perdida!
gota babada!

Totalidade rouca engole o arremate da miragem
quando chamada pelo nome real.

no silêncio a luta

luta dura
forte
resistência fura enfrenta entra
anula a gula paralisa

sente reticente
violenta: sim e não

onde a luta mapa paredão
Forca morte nuca mira data e um irmão
Como armo as mãos e ardo
Corpo e alma seta eixo bala abaixo


dilema que cura
carne picada almada
duração delicada

sacro sangue fica volta a roda gigante a girar

Melodia sem medo

Dia atento.
Soa o vento em lembrança
do sol exato
e extremo.
Um meio-dia a pino de silêncio

desembrulha a fina empatia das horas e desfia o coração da elegante senhora.
Meia hora

Pra um dedo de prosa
um assobio frouxo,
e uma paragem porosa.

Demi-mundo,
Dá-me sementes de Bom-dia e Boa-noite
que quero plantar o tempo vida afora.

Semi-urge o agora:
meta-botão cantado em
oração
entra dia dia sai
Dora viva avante
matura o tempo anão.

Prece que pressa afinada
Ágil que lança
meso-presságios de bonança.

Metade da mordida
Metade da metade
da precisão.

Doxa corre de porre.

Tiquinho de nada
tico do tico da imensidão.
Tenho medo de tenho medo de tenho medo de tenho medo.
Quero ter tempo quero ter quero tempo de ter tempo de não ter medo.
Tempo que corre tempo corrente acorrentado com susto tempo assustado.

Sol dividido, explodido, distribuído, colonizado.
Rio bebido e cagado.
Rancor atirado, sobrevivente, baleado.

Barulho todo poderoso, vale de suspiros, sangue civil, infantil, mundano.


Medo veterano, matusalém enfaixado, faixa de gaza.
Medo soprado pra fora do coração inocente. Fora do fora. Cuidado.

Liberdade ocupada

Descubro uma liberdade ocupada
de atividade que não pára.
Porto-a
como a inteireza desnecessária.

Só um empurrão,
certo exagero inorgânico
põe à carne o enchimento mágico
de todo átomo pleno atlético teso e plástico.

tanta extravagância

Somos muitos, somos tantos
nós a desenrolar o Manto
que toca o chão,
por liberdade só com uma ponta pura.

Nus que somos arrastamo-nos atrás do Manto, dedos em lança,
tão puros uma ponta só.
Esse Manto que vela dia e noite as mais sublimes visões, do alcance da ponta
tanto
que quando se vê não é com os olhos, é com pêlos, joelhos, uma completa dança,
sedição
do coração dos pés ao coração das mãos.

Tecidos de fogo e água: trabalho farto por dentro e por fora: o manto: delicado bordado: furacão.
Espiral de astúcia
onde nos levará
a fantasia de executar?

E obedece tanto a natureza,
só a nós nos ocorre rebelar.

Confrontar Deus até o clímax de sua virtude.
Forma-limite.
Dar-lhe tanto o que perdoar.
irrestrita, funda, ardente
::criação::
Cria do sacrifício. Imagem da paz.
Purificada pela alquimia de que já não dói.

valores acesos queimam,
degraus concretos passam,
fundamentos ornamentais.

::indicada para portadores de sustos, sopros, vozes e afagos::

Couro curtido

O vento
traz o sol
que curte contente.

A curtição do sol
é que balança as nuvens
quando dançam
veementes.

O sol curte uma água, que curte um vento, que curte as árvores promiscuamente, que curtem os ninhos, que curtem a pena dos passarinhos, sua sina de voar.

Ar curte o som, que curte os instrumentos que curtem o toque, um toque jeitoso, sentimental, que curte o couro de quem toca, que voa leve em cordas e peitorais.

Amarrado, curtido, o couro chora, o couro ora.

POEMA DO AMOR NUNCA PRONTO

Amor não se convence do seu contrário.
Alimento que redobra
com pouco qualquer contato.

Amor pura disposição
Amor remota identidade
Amor igual oposição

Vou notá-lo pra sempre, espacial, incurável.
Terminal.
Traços pretos, penumbras etéreas que falam
pra olhos que voam garotos meus
miudinho molhados.

virtual como aquilo que inexiste e existe.
doença de um tipo que mata.

Amor meu, recuo e certeza, nós da nossa natureza.

Escudo alado

Escuta o chiado que vem lá do fundo
mais
longe
do
mundo.

um estalo e a separação,

bicodebocaeopeitoarfado

num intervalo

Lugar voado,
onde o que não consta avistado.

Meu bem amado,
Embrulho um par de linhas com laço caprichado.
Por um fio o tempo do enlace do seu coração.

Tá na estampa de uma língua fantasia,
Invisível só nas palavras.
Que existe só no vão.
Que é afeto de homem que pisa o chão são.
Que é vivo como vibra o oriente.
Quando o pensamento repousa na ausência de peso da respiração.
Acredito na virada
Que vira tudo o que continua

Reveste tudo o que já foi o mundo
de um bafo
penetrante, universal.

Anima os passarinhos. Embeleza os passantes.
Penteia o vento.
Suaviza a mordida.

Oscila o reto das horas,
o que falta farta.
Estica a torta.
Lambuza o tempo com teimas e guloseimas.
A forma só é tudo
se for tudo
se for tudo e tudo se for
fica na forma nada,
nem sua poeira imagem,
naturalmente tudo
sem nome fica
tudo migra
de lugar
... mas não esvazia não.
A calada da hora assovia o segredo de sua alegria.